
Quando a língua francesa é posta à prova
No âmbito do mês da língua francesa e da francofonia, e em colaboração com a Delegação Geral da Valônia-Bruxelas, a Embaixada da Bélgica em Portugal e a Aliança Francesa, os artistas e linguistas Arnaud Hoedt e Jérôme Piron estiveram em Portugal para uma digressão e apresentar o seu espetáculo "La Convivialité, ou la faute de l’orthographe".
Das salas de aula ao grande palco
Arnaud Hoedt e Jérôme Piron são linguistas de formação. Encontraram-se no Instituto Técnico e Profissional Don Bosco, em Bruxelas, onde ensinaram durante 15 anos. Colaboraram também em vários projetos comuns, incluindo a participação em oficinas internacionais com os seus alunos, com o objetivo de os fazer descobrir a arte contemporânea. Quando Arnaud participou na elaboração dos programas de francês na Bélgica, Jérôme especializou-se em mediação cultural. Em 2016, escreveram e encenaram o espetáculo " La Convivialité " no Teatro Nacional de Bruxelas. Desde a sua estreia em 2017 no off do Festival de Avignon, o espetáculo foi apresentado mais de 250 vezes. No ano seguinte, publicaram o livro "A culpa da ortografia" pela editora Textuel.
Uma digressão portuguesa
Num espetáculo simultaneamente humorístico e iconoclasta, Arnaud Hoedt e Jérôme Piron desafiam as ideias pré-concebidas sobre a ortografia francesa, muitas vezes considerada um dogma intocável. Com um estilo descontraído e pop, eles dissecam as absurdidades e incoerências dessa ortografia através de uma encenação descontraída. Convidam o público a questionar o que parece imutável, demonstrando que as regras ortográficas, longe de serem lógicas, são muitas vezes fruto de tradições fantasiadas. Este espetáculo oferece um momento de desmistificação da língua francesa, combinando humor, reflexão e convivialidade.
Durante esta série de conferências-espetáculo que teve lugar entre 27 e 31 de março, em Lisboa, Leiria, Faro e Portimão, os dois artistas belgas puderam dar destaque a esta língua que, em algum momento, nos deixou a todos em dificuldades. Através do seu espetáculo, apresentado com humor, puderam partilhar as observações dos muitos anos de carreira numa apresentação na residência do Embaixador e em três outras apresentações no país.
- Quinta-feira, 27 de março: apresentação na residência do Embaixador da Bélgica
- Sexta-feira, 28 de março: apresentação no Teatro Miguel Franco em Leiria
- Sábado, 29 de março: apresentação no IPDJ de Faro
- Segunda-feira, 31 de março: apresentação no Museu de Portimão
Este espetáculo, mais do que uma posição satírica sobre a língua francesa, é um lembrete da importância de preservar e celebrar a riqueza da nossa língua e cultura.
Um sucesso francófono em Portugal
A digressão portuguesa de " La Convivialité " ilustra a vitalidade e o impacto da francofonia. Misturando humor e reflexão, esta peça belga conseguiu cativar um público lusófono, com quase 300 entradas nas três datas da digressão. Este sucesso demonstra que a língua francesa, mesmo nas suas peculiaridades, continua a ser uma forma de partilha e intercâmbio cultural. Apresentada no âmbito do mês da francofonia, foi uma excelente oportunidade para destacar a diversidade e o impacto da língua francesa em todo o mundo.
Entrevista com Arnaud Hoedt e Jérôme Piron
Vocês ensinaram durante muito tempo antes de se lançarem neste projeto artístico. Como a vossa experiência como professores influenciou a criação de " La Convivialité "?
A nossa experiência como professores foi central na criação de " La Convivialité ". Como professores de francês, vimos como a ortografia gerava stress e desigualdades, penalizando até alunos brilhantes devido a regras arbitrárias, o quenos chamou a atenção.
Percebemos que a ortografia não é uma ciência exata, mas uma construção social, por vezes discutível. Queríamos partilhar essa reflexão de uma forma divertida e acessível, usando o teatro e o humor para questionar a nossa relação com a língua. " La Convivialité " nasceu do desejo de mostrar que a ortografia não é um dogma, mas uma ferramenta a ser repensada para ser mais lógica e inclusiva. A nossa visão pedagógica orientou-nos: transmitir essa reflexão essencial, não só a uma turma, mas também a um público mais amplo.
Vocês criticam as absurdidades da ortografia francesa, mas acham que ela deve evoluir para se adaptar às realidades contemporâneas ou devemos preservá-la tal como está?
O nosso objetivo não é abolir a ortografia francesa, mas modernizá-la. Não queremos eliminar o que torna a língua rica, mas eliminar o que não faz sentido. Muitas regras atuais vêm de erros históricos, falsas etimologias ou grafias absurdas, como os plurais em "x" (hiboux, cailloux) ou os acordos complexos do particípio passado.
Essas complexidades consomem um tempo precioso nas escolas, tempo que poderia ser usado para reforçar a leitura ou a expressão escrita, áreas onde a francofonia tem um desempenho inferior, de acordo com estudos internacionais. Defendemos uma evolução pensada, que torne a ortografia mais racional e eficaz, sem destruir a sua riqueza. Alterar uma lei é, por vezes, fortalecer o direito.
Têm outros projetos artísticos no futuro que façam a ligação entre língua e cultura?
Não diretamente, o nosso último espetáculo KEVIN fala sobre a sociologia da educação e estamos atualmente a trabalhar num projeto que fala sobre democracia e debate público. Nada diretamente linguístico.
Apresentam o vosso espetáculo para um público português. Adaptaram o espetáculo para esta ocasião?
Não. Mesmo que esperamos discutir muito sobre as especificidades da ortografia portuguesa, muito mais racional, com os futuros espetadores.
Como é que o WBI vos ajuda a internacionalizar-se? Acham que esse tipo de colaboração enriquece a difusão da cultura e da língua francesa internacionalmente?
A Wallonie-Bruxelles International (WBI) tem um papel importante na difusão do nosso trabalho além das fronteiras belgas. Graças ao seu apoio, nomeadamente para as deslocações, tivemos a opurtinidade de apresentar os nossos espetáculos, como La Convivialité e Kevin no Québec ou na Reunião, o que nos permitiu partilhar as nossas reflexões sobre a ortografia e o sistema educativo com um público mais vasto.